quarta-feira, 10 de junho de 2020

Ilha do Marajó: Fome e Determinantes Sociais da Saúde no Contexto da Pandemia


Foto: Reprodução

No Estado do Pará, a cidade de Melgaço, localizada na Ilha do Marajó – a maior ilha costeira do Brasil, sendo também a maior ilha fluviomarítima do mundo –, é o município do interior da Amazônia com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, de acordo com o último censo (IBGE 2010), ocupando a marca de 0,418 de IDH em 2013, o que equivale a pior posição nacional, perdendo apenas para a cidade de Fernando Falcão, do Estado do Maranhão (MA), com IDH de 0,443 (2° lugar), seguidas pelas cidades marajoaras de Chaves com IDH de 0,453 (6° lugar) e Bagre com IDH de 0,471 (8° lugar); e Cachoeira do Piriá, com IDH de 0,473 (9° lugar), localidades paraenses com números degradantes de analfabetismo, fome, sanitarismo e corrupção política, fatores que dificultam sobremaneira a melhoria dos dados em questão.

O IDH é avaliado de acordo com as informações de expectativa de vida ao nascer, educação e índices per capta do Produto Interno Bruto (PIB), que são os principais indicadores do padrão de vida dos moradores de municípios e estados de diversos países ao redor do mundo, sendo medidos anualmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) dentro do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Conforme o Ministério da Cidadania, cerca de um milhão de pessoas no Pará tem como única fonte de renda mensal o Programa Bolsa Família, sendo o sétimo estado brasileiro em maior número de beneficiários, demonstrando o tamanho do índice de pobreza e, consequentemente, de pessoas em situação de fome eminente e com ocupações no mercado informal sem renda fixa, elementos que caracterizam a situação de saúde e de doença da população paraense, contribuindo para que os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) sejam alarmantes, como a insegurança alimentar e nutricional de populações ribeirinhas, pescadoras, rurais, quilombolas e indígenas como um todo.

Os pesquisadores Guimarães, Silva e Ramos demonstraram que no Programa Bolsa Família “há elevada prevalência de crianças com baixo Peso-para-Idade (P/I) e baixa Estatura para-Idade (E/I)”, sendo que “o Estado do Pará superou a média nacional (7,9%) e da Região Norte (11,7%), apresentando 13,1% de crianças com baixo P/I (indicativo de subnutrição aguda), assim como elevada prevalência de crianças com baixa estatura (27,8%) (indicativo de subnutrição crônica), também superando a média nacional e a regional”, o que está em completo desacordo com a demanda nutricional e de saúde que são fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento humanos adequados.

Segundo a OMS, como descrito no site da FIOCRUZ, DSS são indicadores sociais que consideram “as condições em que uma pessoa vive e trabalha”, a fim de compreender o contexto dos indivíduos inseridos em cada região estudada. Ademais, outros elementos podem acompanhar os dados de DSS, como: “os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco à população, tais como moradia, alimentação, escolaridade, renda e emprego”.

Em relação à pandemia, de acordo com a Nota Técnica da Universidade Federal do Pará, realizada pelo Laboratório de Tecnologias Sociais sobre a Evolução de Covid-19 no Estado do Pará, “das 10 capitais com percentuais mais altos da população com anticorpos (testados positivo), 5 são da Região Norte, 3 são da Região Nordeste e 2 da Região Sudeste”. Mais adiante, o estudo informa ainda que: “entre as cidades estudadas destacam-se quatro cidades do estado do Pará com os percentuais mais altos de infectados: Breves, Castanhal, Belém e Marabá”. Para os especialistas, “na cidade de Breves (PA), a proporção da população que tem ou já teve Coronavírus foi estimada em 24,8%, ou seja, cerca de 25 mil dos 103 mil habitantes da cidade estão ou já estiveram infectados”.

As estatísticas apontadas são extremamente preocupantes devido a cidade de Breves ser considerada uma das mais desenvolvidas da Ilha do Marajó, entretanto, atualmente é a cidade com o maior número de mortes por Covid-19 do Brasil, subindo de 01 para 34 óbitos registrados com apenas 15 dias de diferença, sendo que o município não aparece na lista das 10 cidades com o menor IDH brasileiro, tornando as demais cidades do entorno já citadas, ainda mais precarizadas no que diz respeito aos indicadores sociais e de saúde, pois tais áreas ribeirinhas e rurais não possuem o mínimo necessário para conter o avanço da pandemia.

Por outro lado, sendo apenas a ponta do iceberg, a fome é endêmica nesses municípios do Marajó, que foi acentuada com o duplo isolamento social e econômico pré e pós-pandemia, sem contar o não acesso à Internet, celulares ou computadores que poderiam amenizar a situação de DSS com a promoção de informações em saúde ou a obtenção do cadastro para o Auxílio Emergencial do Governo Federal, um benefício que até o momento não conseguiu atender de modo satisfatório a população brasileira, causando um grande fosso de insegurança alimentar e sanitária sem precedentes na história do nosso país.

No site da Agência Marajó Notícias[3], no dia 08 de junho, o número de óbitos na Ilha chegou a 179, com um total de 3029 casos confirmados e 1454 pessoas recuperadas de Covid-19. Apesar disso, os algarismos são bem mais amplos, não apenas na Ilha do Marajó, pois a quantidade de testes para a notificação da SARS-Cov-2 é insuficiente em todo o Estado do Pará, assim como o número de leitos e de atendimentos, que teve o seu ápice entre o final do mês de abril e início de maio, com o colapso de hospitais e UPA’s que se mantiveram de portas fechadas por alguns dias devido a demanda gigantesca de pessoas contagiadas em várias cidades, como Belém, Ananindeua e outras.

Um exemplo da altíssima demanda da Covid-19 é justamente na cidade de Breves, que possuía apenas 04 leitos de UTI no único hospital da cidade, antes da instalação do Hospital de Campanha, que hoje conta com 56 leitos para internação e mais 04 leitos de UTI, mas que ainda está em fase de adaptações devido o problema de respiradores comprados com defeito, que foram envolvidos em aquisições de fraudes contratuais em alguns estados do Brasil, incluindo, o Pará, já em processo de resolução.

Boletim Epidemiológico da Ilha do Marajó. Fonte: Reprodução Facebook..

No site do G1, que segue a atualização do Ministério da Saúde, até segunda-feira, foram computados 07 óbitos em Melgaço, 01 em Chaves, 05 em Bagre e 63 em Breves, além de um número crescente nos demais 144 municípios paraenses, nas quais as cidades citadas estão compreendidas. O fato é que a pandemia da Covid-19 no Estado do Pará está longe de sua estabilidade, pois o número de mortos ainda é ascendente devido ao atraso nas notificações por parte da Secretaria de Saúde do Pará, que havia subnotificado 1.000 óbitos nas três últimas semanas.

Em Belém, com 1.611 óbitos oficialmente registrados, a Nota Técnica da UFPA demonstrou exorbitantes subnotificações de novos contágios, com uma defasagem 52 vezes menor que os dados oficiais, porém, contraditoriamente, o comércio para serviços não essenciais foi reaberto em quase todo o Estado, mesmo que os documentos científicos apontem que a hora de reabertura da economia e de volta à normalidade não sejam agora. A liberação comercial ocorreu, inclusive, na cidade paraense com o índice mais acelerado de mortes do Brasil, Breves, que é descrita com 95 vezes menos notificações de Covid-19 daquelas que foram publicizadas, com a possibilidade real de vivenciarmos uma segunda onda de Coronavírus não apenas no Marajó, mas em todo o Pará, pois a taxa de isolamento social caiu para abruptos 39% desde a abertura das lojas comerciais e o fim do período de lockdown.

O descaso com a fome e a segurança alimentar que agrava o status nutricional de populações vulneráveis no Estado do Pará são DSS antigos por envolver graves problemas de insegurança nutricional, pobreza e exclusão socioeconômica, englobando muitos grupos humanos amazônidas há décadas, sendo a Ilha do Marajó mais um espaço que devemos dar atenção não apenas no momento da pandemia, mas de modo solidário, definitivo e constante, pois as crianças, os jovens, adultos e idosos que vivenciam a conjuntura calamitosa atual precisam de ajuda política e de saúde imediatas, pois a fome não espera.   

      

Ariana Da Silva

Ariana da Silva

Prof.ª Dr.ª em Bioantropologia; Docente da SEDUC/UEPA; Vice-Líder do Grupo de Estudos em Bioantropologia do Pará – GEB/UEPA.

O link do Jornal Roteiro de Notícias segue: https://jornalroteirodenoticias.com.br/ilha-do-marajo-fome-e-determinantes-sociais-da-saude-no-contexto-da-pandemia/?fbclid=IwAR3wQTW9c_Lq1prNfbgOtKvHfXEsAqpS1AN7joeoJJC4hk_pkMy8K2nPrZk




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